Amigas e Amigos:
Voltando falar sobre poesia, trago um dos grandes poetas da nossa cidade: Andrade Carcel. Observem a beleza do seu poema....Trágico e poético, sangrando como a vida !
A MENINA QUE PASSA
(Andrade Carcel)
Da janela vejo, de ouvir os passos
travessos a ultrapassarem carros,
o nariz escorrendo, saltos de escarros,
pulos sobre passeios de ásperos asfaltos...
Da janela sob o sol de tantos dias
vejo a menina: de tranças desfeitas,
de pele azul-cinza
que ainda desperta olhares de espanto.
De quantos trocados precisa a negrinha
de mãos estendidas,
recolhidas, vazias, ao bolso furado?
Os olhos um tanto rasgados,
nem rindo ou chorando,
já acostumados (?) a olhar nas vitrinas:
o alimento impossível,
o brinquedo impossível,
o vestido impossível.
- Quais as possibilidades do mundo?
E da janela, inútil, vejo o sol escaldante
sobre a criança que passa na rua:
a toa de afagos e carícias e sentimentos comuns
que alimentam pequenas almas.
Mas essa que vejo da minha janela,
já quase de mim a se distanciar
é toda exceção. A maior exceção do mundo.
Retendo ultrajada a inocência
mal percebendo os olhares
tementes da sua carne.
Essa a menina que a minha janela percebe
e, quem dera, fosse um sonho, pesadelo,
a visão desse ser humano - biologicamente real
a insistir em matar a fome
talvez de um ou dois dias atrás -
que agora parece animado
como todo guri, essa guria
de não sei quantos anos de idade;
magra,
raquítica,
banguela... (que dentes terão forças para romperem suas gengivas?).
Agora passa a pequena criatura:
ágil, como lebre;
peralta, como estrela que do céu escapuliu.
Ah!... E quase dobrando a esquina
a flor negra, menina, olhou pra mim e sorriu.
Um comentário:
Passeando pelo Carcará do Setão para apreciar a singeleza da poesia e saber notícias. Parece que deu certo enviar uma vez um blog sobre cinema... convido-o para participar da minha viagem pela capital portenha... um beijo. Stela Borges de Almeida.
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